Na Estrada


O dia não estava nublado, pelo contrário, não havia uma nuvem sequer. O céu estava amarelo por inteiro. Você não estava envolto por neblina, eu o via em alta definição. Você estava de costas. De costas pra quem quer que fosse e de frente para aqueles que se enganavam pegando a mesma estrada que você, achando que estavam cortando caminho e andavam por um atalho.

À primeira vista a estrada era linda, toda arborizada, envolta pelo verde. Mas era só olhar com mais atenção para perceber o frio e a melancolia que reinavam nas sombras, sob a copa das árvores. Ninguém me contou ou soprou no meu ouvido, muito menos supus. Eu vivi. Sentada encolhida no acostamento, senti o vento me dilacerar e rachar os lábios.

Jamais esperei andarmos de braços-dados e transformar a estrada em mão-única. Mas confesso que fiquei surpresa ao ver que você sequer diminuiu o passo enquanto eu amarrava meus cadarços para não tropeçar. Nem voltou para o meu lado depois que tive que subir a calçada para desviar dos buracos.

Fingindo não notar sua ausência fiquei a observar os pássaros; recostada no tronco áspero que arranhava-me as costas, eu tentava a todo custo disfarçar: estava perdida. Rezava baixinho para você virar à primeira direita, dar a volta completa no quarteirão e me notar ali embaixo.

Sempre soube que andavas por manguezais, precisavas das duas mãos para escalar paredões rochosos, escorregavas em lamaçais e nadavas quilômetros em mar-aberto para não deixar rastros. Nunca questionei suas escolhas, mas acho que sabes que adoraria te acompanhar em seus caminhos alternativos. Porém, a estrada é estreita e você logo se posicionou na frente, ditando o ritmo.

Me restou seguir as placas e a poeira de seus passos. Me sobrou a sensação de cansaço, respiração ofegante e joelhos doloridos. E a certeza de que, definitivamente, a rua cheia de árvores que entrei não era um atalho, mas uma transversal que se tornou uma avenida principal cheia de curvas, me fazendo sentir como se andasse em círculos. E enquanto eu não largasse a sua mão escorregadia de uma vez por todas, eu não iria sair daquele labirinto no qual você por anos, se dedicou para construir a sua volta.

Um comentário:

  1. As vezes é dificil ver que construimos labirintos e mais labirintos ao nosso redor... talvez eu esteja construindo o meu... mas vai saber, quando eu me perder me preocupo em encontrar a saida =D

    Grande abraço!

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